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Ser Nobre numa época de Plebeus e Comerciantes.

Um Ensaio sobre a ciclicidades das civilizações, a vitalidade da Igreja Católica e os deveres e inspirações dos homens contemporâneos.


Entre meios ideológicos de influência masculinista, neopagã ou mesmo protestante, é possível ver alegações sobre o catolicismo não oferecer exemplos práticos de virilidade. Recentemente, um amigo que não é católico reclamou que dentro da Religião não existem “arquétipos guerreiros” como exemplos de vida. Ele havia mostrado um vídeo de algum coach norte-americano reclamando do suposto problema dos padres serem os exemplos práticos de masculinidade dentre da Religião. Para aquele sujeito, um homem devotado à pobreza e ao celibato, não poderia oferecer um exemplo válido para inspirar homens seculares, dispostos a perseguir riquezas e a formarem famílias numerosas. Eu discordo da suposição de que haja algum problema no fato dos sacerdotes ser um exemplo moral para homens que não pertençam ao mesmo estado de vida. Padres também exercem a paternidade/fertilidade e são “nobres” e “ricos” de modo distinto do homem leigo, mas por analogia, ambos se correspondem, ambos são “figuras patriarcais”. Por outro lado, é certo que -ao menos na Idade Contemporânea-, não haja, na “Cultura Católica”, a mesma diversidade de símbolos e arquétipos atualizados em figuras públicas/recentes que houve em outros tempos. Só que a “Cultura Secular” é pior! Ela não apenas está esvaziada de arquétipos masculinos como é abertamente antimasculina. É injusto é culpar a Igreja Católica por um problema histórico que está além de seu campo de atuação.


De fato, no catolicismo, os símbolos e arquétipos de nobreza e aristocracia permanecem vivos e eficazes por meio dos Santos e Heróis, e principalmente pela figura de Nosso Senhor, Jesus Cristo. Mas o fato é que tais arquétipos não são mais “performados” e atualizados na vida contemporânea da mesma forma que foram há alguns séculos. Não existe uma nobreza funcional em nenhum lugar do Ocidente, nem tampouco uma classe militar capaz de expressar os antigos valores da Cavalaria Medieval.


É preciso dar uma explicação sociológica ao fenômeno. Para isso, vou me apoiar na filosofia da história de Mário Ferreira dos Santos.


A História de toda Civilização, para o filósofo, segue o esquema da progressiva perda de poder e prestígio de uma casta (ou, no contexto ocidental, estamento e classe) para outra imediatamente inferior a ela e o progressivo aumento de poder da casta seguinte, sendo cada transição marcada por alguma ruptura reconhecida, um evento definitivo, como uma revolução.


O Ocidente (ou melhor, a Cristandade Latina) surgiu a partir da associação entre a Igreja Católica (uma sociedade sacerdotal) e a casta guerreira germânica, sendo aquela primeira intelectual e culturalmente predominante. Diferente de tantas outras sociedades tradicionais pré-cristãs, em que as castas sacerdotais se viam como parte do mesmo organismo social, a Igreja jamais se identificou como parte de um povo, raça ou cultura; embora suas associações históricas sempre tenham formado fusões (e confusões) profundas, o princípio da Igreja enquanto “sociedade sobrenatural” sempre prevaleceu. Esse princípio está implicado em muitos momentos históricos e definições magisteriais (a controvérsia das investiduras, a doutrina dos dois gládios, as diversas concordatas modernas, etc).


É possível apontar vários eventos como sinais da progressiva perda de poder de uma casta à outra: a própria Controvérsia das Investiduras; a Reforma Protestante; as Revoluções Burguesas, etc. Entretanto, é preciso salientar que a mudança de “época” não acontece de modo síncrono nas várias sociedades que compõem uma civilização embora o que identifique uma civilização seja justamente sua unidade cultural. É por isso, que o caráter sacerdotal-aristocrático de certas sociedades (como a Hispânica) perdurou mais do que em outras, enquanto seu enfraquecimento é precoce em alguns lugares (como a Inglesa), ou ainda, a assunção da burguesia como estamento definitivo da identidade cultural de algumas sociedades acontece muito cedo, embora suas consequências tenham demorado (como é com a Flandres Medieval).


Sem as delongas de descrever o longo processo de decadência do Ocidente, propomos que essa Civilização tenham chegado num momento histórico avançado à assunção do poder pelo “Terceiro Estado” (a casta comerciante/administrativa, burguesa,“Vaishya”), quando este já está se esgotando (como explica Emmanuel Todd no livro recém-lançado na França), ao mesmo tempo em que os grupos posteriores encontram-se mais “empoderados” do que nunca. Se “Sudras” (Proletariado, Campesinato, Servos) e “Dalits” nunca promoveram a tomada de poder que supostamente dariam (como o marxismo e seus derivados previram) isso se dá por conta de sua própria natureza, pois enquanto classe/casta são incapazes de se organizarem-se em torno de um objetivo político e econômico totalizante. Nem por isso eles deixam de exercer o predomínio cultural e moral sobre a civilização, justamente porque se tornaram majoritários num momento em que os grupos sociais superiores perderam sua hegemonia ou mesmo desapareceram.


Assim a “Civilização Ocidental” entrou num status quo travado. Essas classes -por sua própria natureza- não podem assumir o poder, mas, ao mesmo tempo, sua cultura e seus valores se tornaram tão participativa na cultura geral quanto a ainda persistente cultura burguesa (pois a ordem política e econômica ainda é um simulacro dos valores dessa classe).


Isso implica também dizer que, nessa fase da História, os valores e princípios das castas sacerdotal e guerreira já foram extintos da vida cotidiana há muito tempo, sendo encontrados de modo fragmentado na cultura pop, nas belas artes e na influência remanescente das religiões. É por isso que jamais veremos qualquer tipo de movimento cultural ou “avivamento” -onde quer que seja, na religião que for-, incentivando o ingresso em Ordens Religiosas ou no Sacerdócio, no Magistério, na Carreira Militar ou nos trabalhos ligados à defesa e proteção da sociedade; mas veremos, por outro lado, uma cultura de idolatria a empresários, ao “empreendedorismo” (grande burguesia) e outras profissões liberais (pequena burguesia), ou ainda, no caso brasileiro, ao serviço público (uma espécie de proletariado requintado), ou mesmo a contaminação dos valores burgueses e plebeus daqueles campos e espaços onde vestígios das antigas castas ainda subsistem (teologias da prosperidade e da libertação, no cristianismo; carreirismo e bacharelismo nas forças armadas e no serviço público).


Como então a Igreja Católica (e outras formas de “Cristianismo Sacerdotal”) subsistem nesse contexto? Bem, acontece que a Igreja Católica, como já foi dito, é, por sua própria natureza, uma sociedade sacerdotal e paralela ao “mundo”. Então, ao mesmo tempo que ela conseguiu sobreviver a todos os golpes que seguiram desde que desceu de sua antiga hegemonia, seus valores conseguem -ainda que com dificuldade-, irradiarem por aqueles grupos sociais ligados a ela. O sacerdócio católico sobrevive porque a indefectibilidade e a identidade da própria Igreja dependem da perpetuação dessa ordem; por outro lado, as antigas ordens de cavalaria -surgidas no percurso histórico, não pertencentes ao núcleo da religião- acabaram extintas após a extinção da Aristocracia. Então, sim, é necessário admitir que homens leigos dificilmente encontrarão dentro da igreja (e dentro da cultura católica contemporânea) exemplos de “Arquétipos Guerreiros” atuais; enquanto o “Arquétipo Sacerdotal”, com tudo o que lhe está ligado (a valorização das virtudes intelectuais) continua vivo e presente naquelas figuras que honram a vocação sobrenatural que receberam. O “Arquétipo Burguês”, por sua vez, também subsiste dentro da Cultura Católica (embora, como eu disse no início, a cristandade não tenha sido feita a partir de um pacto da igreja com a burguesia, mas com a aristocracia) porque a própria casta burguesa, a trancos e barrancos, ainda consegue subsistir nesse momento histórico, embora desacredita e impotente. É daí que surgem figuras inusitadas, o tipo “católico de ética burguesa”, como tantos influenciadores e coaches.


Retornamos então ao questionamento daquele meu amigo: eu sou leigo, me identifico com “valores aristocráticos e guerreiros”, embora aprenda muito com os demais grupos e arquétipos sociais, em quem vou me espelhar? Em Cristo e nos grandes Santos que deram vigor sobrenatural aos valores da nobreza, da aristocracia e da cavalaria, atualizando na vida um certo sentido correspondente a eles. O conceito de “narrativa de vida” vem muito a calhar aqui: embora o espaço cultural tenha sido destituído de qualquer tipo de valor positivo sólido e institucional, que poderíamos identificar nas antigas castas e estamentos (e heróis) das sociedades tradicionais, a subjetividade e a “experiência estética dos valores”, continuam sendo campos de atuação possíveis. De certo modo, é nosso trabalho (e de nossos filhos) atualizar em vidas esses antigos e eternos arquétipos.


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Para a visão de Mário Ferreira dos Santos sobre os ciclos de vida das Civilizações, clique aqui ou a partir daqui.

Para acompanhar uma resenha da perspectiva de Emanuel Todd (em obra ainda inédita no Brasil) sobre o atual estado da Civilização Ocidental, clique aqui.

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