Um discurso liberal-progressista da falsa oposição
- Frederic Montanha
- 19 de jan. de 2024
- 9 min de leitura

Uma análise sobre uma exposição altamente venenosa que está a ser nesciamente aplaudida pela Nova Direita
Em seu discurso no Encontro Anual do World Economic Forum em Davos na Suíça (Fórum Econômico Mundial), o apóstata Javier Milei apresenta um amontoado de falácias liberais muito batidas que ecoam palestras TedX de Steve Pinker, Fukuyama e do próprio Yuval Noah Harari, figuras notoriamente progressistas e de tendências globalistas. Isso já evidencia a viagem fantasmática que é classificar este tipo de discurso como antissistema ou dissidente de qualquer hegemonia. É o mesmo discurso liberal-progressista, a mesma concepção filosófica de progresso histórico apresentada por toda a elite convencional do Ocidente. No contexto político atual, tal retórica impressiona olavetes e rednecks paleo-libertários que pensam que WEF e Davos são ajuntamentos de comunistas ou socialistas, ou então, que Macron, Trudeau e Merkel seriam agentes de alguma esquerda socialista ou de qualquer maneira anticapitalista.
Não, o globalismo é o ápice do capitalismo internacional e todos os seus processos são desenvolvimentos naturais de processos de mercado em seu âmbito financeiro, suas agendas político-culturais, meras designações de uma estrutura econômica definida pela ideologia que Milei e Klaus Schwab compartilham.
Milei começa com a tese progressista de que o crescimento econômico pós-revolução industrial representou um eixo central da história e que deixou para trás o Ancien Regime de atraso feudal e alavancou o mundo para uma nova era de prosperidade. É uma tese falaciosa por medir a 'pobreza' antiga e a 'riqueza' moderna com métricas derivadas dos padrões de consumo contemporâneos. O Papa Francisco, em sua encíclica Fratelli Tutti refuta essa concepção:
“Quando dizem que o mundo moderno reduziu a pobreza, fazem-no medindo-a com critérios doutros tempos não comparáveis à realidade atual. Pois noutros tempos, por exemplo, não ter acesso à energia elétrica não era considerado um sinal de pobreza nem causava grave incômodo. A pobreza sempre se analisa e compreende no contexto das possibilidades reais dum momento histórico concreto.”
Milei segue a mesma cantilena ideológica ao estender o método falacioso da história para a geografia mundial. Diz que o 'mundo livre', o mesmo Ocidente que critica por socialista, vivencia índices satisfatórios, enquanto o 'mundo reprimido' vivencia taxas de miséria. São generalizações grosseiras que desconhecem inúmeras variáveis e aspectos geopolíticos. Tal afirmação é desconstruída facilmente com a lembrança da China, que está em vias de superar os EUA na posição de maior potência econômica global e a própria Rússia, que em meio a uma guerra e os boicotes do tal Ocidente Liberal, afirma-se junto aos BRICS numa transição econômica com um modelo de terceira via nacionalista de maior autossuficiência e cooperação estratégica. Além disso, tais teses medem a prosperidade moderna tão somente pela distribuição de bens de consumo e pelo acúmulo de capital financeiro, sem levar em conta todas as outras variáveis de natureza social, cultural, política, etc. Variáveis estas nas quais o capitalismo liberal se provou um grande fracasso, nas palavras de Alberto Torres:
"O liberalismo econômico mostrou ser uma fraude contra as classes populares, desde a Revolução Francesa. Na mesma tumba, a Revolução Francesa, na famosa noite de agosto de 1789, sepultou ao mesmo tempo, a aristocracia feudal e os fracos. Criou então o contratualismo, em substituição à lei. Proibiu sindicatos. Instituiu uma suposta 'liberdade', onde devia estar o direito. Só se falava então na 'liberdade'. Ora, em matéria econômica, a liberdade desordenada gera a opressão dos economicamente fracos."
Longe de representar qualquer libertação econômica ou era de ouro de prosperidade, a Revolução liberal (que não deve ser compreendida apenas em seu âmbito econômico industrial, mas em seu todo filosófico que também é político e social) trouxe em seu bojo e como grandes consequências, os dramas do êxodo rural, da proletarização geral das massas e da ascensão usurpadora de uma burguesia financeira, o esquema em gênese do globalismo atual. Isto para não falarmos sobre as guerras revolucionárias e, nas palavras de Jackson de Figueiredo em A Reacção do Bom-Senso:
"Criado o fantasma de uma Liberdade, de pura e péssima metafísica, isto é, sem realidade objetiva que não a das suas criminosas consequências, o que se viu, de um a outro extremo do mundo Ocidental, foi a morte do sistema monárquico cristão e a sua substituição pelo mais nefando cesarismo"
Os fatos já citados e a destruição das corporações de ofício, a captura do Estado pelas oligarquias financeiras e industriais, as Desamortizações e as reformas agrárias que expulsaram os camponeses das propriedades comuns e das terras da Igreja, são partes inerentes à Grande Revolução. E como sublinha Gustavo Corção em 'O Século do Nada':
"Logo após a invenção da máquina a vapor seguiram-se os conhecidos fenómenos que viriam armar o grave problema da questão social. Os habitantes dos campos acorriam para os centros industriais que nasciam, levados pela ilusão de um melhor salário. E logo se desencadeou um verdadeiro leilão de trabalho, onde a oferta abundante fazia baixar o preço da nova mercadoria. O drama do capitalismo nascente em sua entusiástica ferocidade poderia ser previsto, quase com a precisão do cálculo dos eclipses, por quem viesse acompanhando os itinerários da nova civilização que se desviava das coisas espirituais na mesma medida em que ganhava maior domínio sobre a natureza exterior e inferior. Era fácil prever que a súbita descoberta de novas energias físicas, num mundo laicizado, exteriorizado, materializado, produziria infalivelmente uma corrida de egoísmos."
E tal é a tirania da grande finança internacional reunida no WEF, construída e operacionalizada sobre a via mercadológica do mundo financeiro. Milei, no entanto, como um gatekeeper, combate o fantasma, ou antes, os moinhos de vento do "coletivismo" e do "comunismo".
Javier Milei consagra uma visão de mundo que corrobora com toda a agenda revolucionária e nada tem a dizer sobre qualquer aspecto essencial. No entanto, o principal erro da doutrina progressista liberal é o foco metodológico, derivado de um método materialista e imanentista, que enxerga no consumo e no PIB os grandes alicerces de uma civilização. Julius Evola nos demonstra o quanto esta visão se distancia da realidade:
"O capitalismo moderno é tão subversivo quanto o marxismo. A visão materialista da vida em que ambos os sistemas são baseados é idêntica. Enquanto só falamos sobre classes econômicas, lucros, salários e produção, e contanto que acreditemos que o progresso humano real é determinado por qualquer sistema de distribuição de riqueza e bens, então não estamos nem perto do que é essencial"
O grande erro da análise direitista deste tipo de discurso está em se deixar ludibriar com a força da palavra 'Ocidente', propositalmente dita para captar atenções e apoios. Para Milei e para todos os liberais progressistas não há discórdia. Ocidente é a democracia e o capitalismo, é a ontologia liberal e as escolas do filosofismo iluminista. Este é o Ocidente que está em perigo e que eles querem salvar e que se confunde inteiramente com o Ocidente inclusivo e pluralista do progressismo internacional. São dois aspectos, o econômico e o político-cultural que formam uma mesma tese, um mesmo todo ideológico.
Para Milei o capitalismo é a única via legítima. Para qualquer pensamento que considere que há algo superior à produção e ao consumo, isto não é assim. "Se o comunismo destrói a família na teoria, o capitalismo a destrói na prática." (G.K Chesterton)
Outra falácia liberal está em afirmar que a decadência argentina é resultado do abandono do modelo de laissez-faire em meados dos anos 30-40. A decadência argentina se dá muito antes, no contexto de crise econômica global dos anos 20, onde há um total esgotamento do modelo de Estado Oligárquico e liberalismo econômico. É uma decadência local, derivada de uma crise macroeconômica de âmbito maior. A ascensão do Peronismo, do trabalhismo e do desenvolvimentismo no país é fruto da crise social legada pelo esgotado modelo liberal. Há uma reação nacional argentina que consagra o militarismo, o corporativismo e a justiça social, elemento este que é demonizado por Milei em sua retórica judaico-libertária, mas que possui uma raiz originada na Doutrina Social da Igreja e nas Encíclicas de Leão XIII e Pio XI, que recomendavam um enfrentamento das problemáticas da modernidade pela reabilitação dos antigos conceitos tomistas de direito natural acerca da propriedade, das relações de trabalho, do preço justo, do salário digno e da subsidiariedade. E, se por um lado, as variadas ideologias modernas perverteram o conceito de justiça social ao lhe agregarem pressupostos juspositivistas, igualitaristas, socialistas, etc., isto não invalida a legitimidade do próprio conceito e nem, muito menos, valida a desintegração deste por uma concepção doutrinária liberal.
Ainda, é outro erro afirmar que o Mercado deificado é o responsável pelo desenvolvimento material ocidental nos últimos séculos, quando está mais do que provado que os Estados Europeus, a América do Norte, Brasil e Argentina em seus grandes momentos de crescimento, utilizaram-se de políticas públicas para a economia, tais como o protecionismo, a conquista de amplos espaços territoriais e a criação de reservas financeiras através do excedente produtivo, as políticas agrárias, de irrigação e de infraestrutura do âmbito público que permitiram o avanço do setor privado, entre diversas outras atuações do Estado.
A concepção judaico-liberal, derivada da Escola Judaica de Economia (Rand, Mises, Rothbard e tutti quanti), proclama as falácias do voluntarismo e do atomismo social em função de um individualismo metodológico. Tais proposições encontraram terreno fértil batendo no cachorro morto do socialismo e da social-democracia, mas desconhecem qualquer visão tradicional sobre o Estado e a economia. Não irei neste breve comentário refutar em termos filosóficos tais abominações judaicas, apenas referenciar as Encíclicas Rerum Novarum, Inmortale Dei, Libertas praestantissimum e Quadragesimo anno, o livro 'O Estado Servil' e o breve ensaio 'Neither Capitalism Nor Socialism' de Hilaire Belloc e os escritos de Santo Tomás de Aquino sobre a Lei Natural, o Bem-Comum e a propriedade.
Voltando a Milei, o argentino repete a repugnante e absurda afirmação de que o mundo atual é uma espécie de era de ouro da civilização em que há maior paz, maior segurança, maior isto e aquilo. Isto é contraditório, pois das duas uma, ou o Ocidente está na beira de um precipício a ser tomado por tiranias, pois os valores que o governam o levam a tal posição ou estes valores são responsáveis pelo sucesso atual deste mesmo Ocidente. Na verdade, nem um e nem outro. Bertrand de Jouvenel, autor que Milei deveria conhecer caso tenha contato com a obra de Hans-Hermann Hoppe, demonstra a falsidade do argumento Milei-Pinkeriano ao analisar a história moderna como uma era de crescimento sem precedentes da tirania e da destruição violenta de vidas e propriedades.
No estudo seminal 'Do Poder - História Natural de seu Crescimento', Jouvenel demonstra que o Estado Moderno e as Revoluções Liberais que destruíram o verdadeiro regime da propriedade e da hereditariedade, foram responsáveis pelo advento das ditaduras ilegítimas, dos genocídios, da 'escravidão cidadã' pela circunscrição militar obrigatória e pela consequente guerra total. Na verdade, a civilização que se seguiu à Era das Revoluções é um tipo sanguinolento e tirânico que rapidamente avançou para um barbarismo inimaginável a qualquer medieval. É a ruptura liberal que origina os desenvolvimentos ideológicos do positivismo e do marxismo-leninismo, conformando um triunvirato engendrador de toda a catástrofe das últimas duas centúrias.
A única contraposição à centralização supranacional ou aos abusos do poder estatal está nos próprios Estados-Nação. Na capacidade de correção e provisão de justiça que só o Estado Legítimo é capaz de obter. E Milei é contrário ao Estado-Nação. O presidente argentino nega a constatação maurraseana da legitimidade da conformação das Nações em corpos políticos ordenados que são os Estados e sua preeminência nas relações internacionais.
Nas palavras de meu amigo Jean Itacarambi:
"Quando Javier Milei declara que não faria comércio com China e Brasil, que tentaria tirar a Argentina do Mercosul (as três coisas que seriam inviáveis e desastrosas), ao mesmo tempo em que define o que considera 'parte civilizada do mundo', ele só desnuda o que o libertarianismo é em última instância: linha auxiliar do globalismo ocidental, instrumento de alienação ideológica da população de um país e anti-estratégia política de desmonte social e nacional das últimas linhas de defesa que um país pode ter."
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"Hoje, na Itália, não existe uma direita digna desse nome, uma direita como uma força política unitária organizada que possui uma doutrina precisa. O que é comumente chamado de direita nas lutas políticas atuais é definido menos pelo conteúdo positivo do que pela oposição geral às formas mais avançadas de subversão e revolução social, formas que gravitam para o marxismo e o comunismo. Este direito também inclui tendências muito diversas e até contraditórias. Um índice significativo da confusão de ideias e da pequenez dos horizontes atuais é o fato de que hoje na Itália os liberais e muitos representantes da democracia podem ser considerados homens de direita: isso teria horrorizado os representantes de uma direita autêntica e tradicional, porque na época desta direita, o liberalismo e a democracia eram particular e precisamente considerados como correntes de subversão revolucionária, mais ou menos como hoje o radicalismo, o marxismo e o comunismo, tal como se apresentam ao olhos dos chamados >partidos da ordem<." (Julius Evola - O Fascismo visto desde a direita)
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"Nossa revolução nacional visa a restaurar as disciplinas coletivas: do trabalho, da família e da Pátria. Lutamos contra o capitalismo, egoísta e opresso; queremos desembaraçar o país da mais desprezível das tutelas: a do dinheiro; queremos quebrar o poder dos trusts e seu poder de corrupção social; queremos estabelecer uma organização económica que suprima a luta de classes; o fator dinheiro deve ser submetido ao fator humano..." (Marechal Pétain)
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